Há algum tempo, ouvi uma pregação intitulada “Linha de Comando”. O pregador dizia que há uma rígida hierarquia nas regiões celestiais, e que essa ordem chega à família, que é o último elo dessa corrente.
Por isso — ensinou ele — é preciso treinar o garoto, desde pequeno, a obedecer cegamente aos pais, para que não se torne, por falta de treino, insubmisso ao Senhor, quando adulto.
Para exemplificar, ele mostrou como fazia em casa:
— Quando meu filho era pequeno, e perguntava: “por quê?” eu respondia: “porque eu sou mais forte”. Agora ele já está crescido; por isso, quando ele me faz a pergunta, eu lhe digo: “porque sou eu quem põe a comida na mesa”.
Eu passei muito tempo meditando nesse sermão: será que é assim que a Bíblia quer que eu ensine meu filho?
Imagem e Semelhança
Por um lado, essa firmeza pode ajudar a criança e o rapaz a sentir segurança na liderança familiar e, por conseguinte, passar a sentir segurança em Deus. Acabamos transportando para Deus os conceitos de paternidade que aprendemos. E se Deus é assim, todo pai cristão tem a obrigação de tentar ser parecido.
Mas será que Deus age com seus filhos como esse pastor?
Se formos examinar as Escrituras, verificaremos que a obediência é um dos valores máximos do Cristianismo. Paulo, quando nos quer apresentar um exemplo de espiritualidade profunda, diz:
“Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte, e morte de cruz” (Fp 2: 5-8).
Por outro lado, temos visto nos evangelhos um Pai que se sacrifica, mesmo quando seu filho o afronta. Não é o caso dos filhos pródigos de Lucas 15?
Por outro lado, ainda, encontramos o Senhor dizendo, em Hebreus 12: 6, que ele corrige o filho que ama. E agora? Como fazemos para reproduzir nas nossas relações pais-filhos as relações Deus-igreja?
Concepções
Certa vez um rapaz me convidou para pregar em seu casamento. Na conversa, ele sugeriu o texto bíblico: Ef 5: 22-33. “As mulheres sejam submissas aos seus próprios maridos como ao Senhor…”. Ele queria, desde logo, definir os papéis. Eu prometi falar sobre o texto, e no dia, simplesmente fiz uma exposição do mesmo, mostrando o seu ensinamento sobre o papel da mulher e do homem.
Eu disse que esse papel está claro: a mulher deve agir como a igreja, e o marido como Jesus. Ela coloca-se sob a missão (submissão) e ele se entrega por ela, até a morte, “como Cristo a si mesmo se entregou por ela”.
O jovem ficou desapontado: achou que eu iria ensinar sua noiva a submeter-se ao Cabeça.
É essa a idéia que muita gente faz da relação entre Deus e seus filhos; entre o Noivo, Jesus, e sua noiva, a Igreja. Mas o texto ensina coisa diferente: ensina que Jesus se entregou por ela, sofreu por ela, foi paciente, benigno, e até hoje diz: “eis que estou à porta e bato”.
Resumindo tudo o que pensamos até aqui, vemos que, como filho, Jesus, se humilhou e foi obediente, conforme Fp 2. Já na figura de Noivo, ele aparece numa posição de amor bondoso, paciente e até mesmo sacrificial. Na posição do Pai do filho pródigo, Deus aparece como um pai amoroso e disposto até à humilhação.
Derrubando o Muro
Penso que precisamos harmonizar duas posições para que o Reino se reproduza nas nossas relações: a do filho e a do Pai. Deus, como filho, se submete ao Pai até a morte (má notícia: foi preciso). Esse mesmo Deus, como Pai, se submete ao filho, até a morte (a figura do Noivo e da noiva). O Deus que morreu por seus filhos, quando ainda rebeldes.
E o que é mais intrigante: um gesto não dependeu do outro. Deus prova seu amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós quando ainda delinquentes. E o filho se submete ao Pai, ainda que este lhe volte as costas (Eli, Eli, lamá sabactâni).
Aí está o mistério do amor divino. Um amor que derruba paredes de separação. Era esse amor que Jesus nos trouxe, como exemplo vivo. Um amor que não precisa de força bruta para manter a coesão familiar, porque autoridade e submissão, no reino, se dão voluntariamente: o voluntariado do amor.
Quando Jesus entra num lar, as relações entre pais e filhos mudam muito, pois eles passam a tentar reproduzir o reino dentro de casa. E a primeira coisa que devem buscar é reproduzir a “cadeia de comando”. Mas não da forma como aquele pastor ensinava, e sim na base do amor sacrificial, de ambas as partes.
— Mas assim, se alguém resolver romper o trato, a coisa vai virar bagunça — me disse um pai, um dia.
— É verdade, respondi. Mas se não for assim, como você saberá que tem um filho, e não um servo, como o filho pródigo mais velho? Se sua fidelidade não é por amor, que valor tem? Se você é honesto por medo, que honestidade é essa?
— Mas e a disciplina? Acabou a disciplina? Vai tudo para o lixo? — pergunta o pai angustiado.
Aos treze anos, meu filho queria ser jogador de basquete. Um dia, ele subiu num sofá, colocou a mão na cintura e perguntou: pai, quando eu ficar desta altura, como é que você vai fazer para eu lhe obedecer?
E eu me lembrei, novamente, daquele sermão, e respondi:
— Meu filho, enquanto nossas relações forem tão vitais para você quanto são para mim; enquanto você precisar de mim, tanto quanto eu preciso de você; enquanto a gente sofrer quando está longe um do outro; enquanto a gente sentir saudade; enquanto a gente se amar como ama hoje, eu lhe direi: “vai!” e você irá; “fica!” e você ficará. Porque você me ama. Mas se algum dia uma parede de separação se levantar entre nós, seja da indiferença, seja da incompreensão, então nem eu lhe darei ordens, nem você precisará obedecer, porque não fará mais a menor diferença. Meu filho, você me obedece porque você me ama. E eu procuro servi-lo, como pai; seja dando o que você precisa, seja disciplinando-o. Tudo isso porque eu o amo. O que passa disso, não é do reino.
Texto de Ruben Amorese, extraído do portal Ultimato.