A Reforma, Calvino e a Música

Publicado em: 4 de novembro de 2023

Categorias: Destaques, Estudos de Quinta Feira

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Martinho Lutero (1483-1546) nutria encanto pelo livro dos salmos, que ele chamava de uma “pequena Bíblia”. Ele o considerava como um “espelho fino, claro e puro que te mostrará o que é a cristandade”, a nós também e a Deus: “Dentro deles também tu irás encontrar a ti mesmo e o verdadeiro conhece-te a ti mesmo, além do próprio Deus e todas as criaturas” (M. Lutero, Prefácio ao Livro dos Salmos: In: Martinho Lutero: obras selecionadas, São Leopoldo, RS; Porto Alegre: Sinodal; Concórdia, 2003, v. 8, p. 36).

Calvino considerava os salmos como “uma anatomia de todas as partes da alma” e entendia que “os salmos constituem uma expressão muito apropriada da fé reformada”. Além de refletir a nossa fé o cantar tem também uma conotação de lembrete e estímulo espiritual, mesmo para aquele que canta; é como o “falar entre vós com salmos”, recomendado por Paulo (Ef 5.19).

Calvino optou pelo cântico de salmos, entendendo que somente a Palavra de Deus era digna de ser cantada. No Prefácio do Saltério Genebrino, explica-nos os motivos dessa prática: “Os salmos nos incitam a louvar a Deus, orar a ele, meditar nas suas obras a fim de que o amemos, temamos, honremos e o glorifiquemos. O que Santo Agostinho diz é totalmente verdade; a pessoa não pode cantar nada mais digno de Deus do que aquilo que recebemos dele (In: Herman J. Selderhuis, org., Calvini Opera Database 1.0. Holanda: Instituut voor Reformatieonderzoek, 2005, v. 6, col. 171-172).

Aqui, obviamente, está implícito o princípio da inspiração bíblica: os salmos provêm do Espírito Santo.

O cântico congregacional tornou-se uma parte importante na liturgia de Calvino. Com o passar do tempo, o cântico a quatro vozes era utilizado no culto, todavia, enfatizou o cântico congregacional.

Ainda que Calvino fosse apreciador da harpa, os cânticos eram como na sinagoga, sem acompanhamento instrumental. Calvino entendia que algumas práticas do Antigo Testamento faziam parte da infância espiritual do povo; entre elas, inclui o uso de instrumentos no culto.

As orações eram sugeridas, mas não obrigatórias. Os pastores tinham liberdade para isso. O Pai Nosso e o Credo Apostólico eram recitados pela Congregação. Colocou a Eucaristia como elemento integrante do culto público e, deu ênfase especial à Palavra de Deus como elemento central do culto. “As Igrejas Reformadas simbolizaram isto nos edifícios que ergueram durante a Reforma, ao colocar o púlpito à frente e no centro do templo”, explica W. Stanford Reid (1913-1996) (El Culto Reformado: In: R. G. Turnbull, org. Diccionario de la Teología Práctica, Grand Rapids, Michigan: SLC., 1977, p. 43).

Com o passar dos séculos a igreja idealizou seus templos de modo que o centro estivesse nos dirigentes e a congregação apenas assistia um ritual do qual pouco ou nada entendia. Com a Reforma, por questões teológicas, isso foi reeestruturado. Genebra é também um exemplo dessa transformação. Na Catedral de São Pedro em Genebra (Cathédrale de Saint Pierre) a disposição da santuário foi mudada.

“Cantemos os salmos; adoremos e louvemos ao Senhor com tudo que se harmoniza

com sua Palavra. Bendito seja o Senhor”

Se antes o púlpito estava no mesmo nível do coral no andar-mor juntamente com o trono do bispo, agora, o púlpito foi colocado no primeiro pilar à esquerda, de tal forma que ficava no centro da congregação que se sentava convergentemente em torno da Palavra. Desse modo, os bancos ficavam em torno do pregador, estendidos pelas galerias do transepto. No caso da Ceia, a mesa só seria posta quando fosse celebrada. Consequentemente, o altar e o coral reservado aos sacerdotes e suas respectivas partes foram eliminados ou caíram em desuso (Veja-se: André Biéler, Architecture in Worship, Edinburgo & Londres: Oliver & Boyd, 1965, p. 56-61 [especialmente]).

Concluindo, insisto em que o cântico inclusivo, não exclusivo, dos salmos é essencial, visto que, por mais ricos que sejam, eles anteveem realidades que já se concretizaram no Novo Testamento e, por isso também, não dão conta de esgotar aspectos da revelação de Deus e, a experiência teológica e vivencial cristã. Essa compreensão amplia de forma bíblica a experiência cristã, tão

pobremente delineada em muitos de nossos cânticos, proporcionando ao fiel uma dimensão mais intensa da vida cristã em sua mente e emoção, se materializando em sua obediência a Deus no exercício das suas múltiplas vocações em sua existência. Em síntese, cantemos os salmos; adoremos e louvemos ao Senhor com tudo que se harmoniza com sua Palavra. Bendito seja o Senhor. Amém!

O Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa é pastor-auxiliar da 1ª IP São Bernardo do Campo, São Paulo, SP, ensina teologia no JMC, é membro do CECEP e do Conselho Editorial do Brasil Presbiteriano.